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Rio de Janeiro/RJ - 28/10/2025 - Megaoperação da Polícia do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão contra o crime organizado, a mais letal da história, deixa mais de 60 mortos. Foto: RS/Fotos Públicas Rio de Janeiro/RJ - 28/10/2025 - Megaoperação da Polícia do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão contra o crime organizado, a mais letal da história, deixa mais de 60 mortos. Foto: RS/Fotos Públicas
05/11/2025

SEGURANÇA PÚBLICA: INTELIGÊNCIA X MILITARIZAÇÃO: O EMBATE DE DOIS MODELOS DE SEGURANÇA PÚBLICA

PEC propõe integração nacional e foco estratégico no rastreamento de redes criminosas, enquanto oposição defende endurecimento penal e uso ampliado das forças federais.

Por Davi Molinari

Em meio a um ambiente político polarizado, o Congresso Nacional disputa as bases que redefinem a política de segurança pública no país. A PEC da Segurança, proposta pelo governo Lula, avança entre negociações intensas, enquanto blocos da oposição articulam projetos com ênfase em soluções repressivas e no uso ampliado das Forças Armadas. O debate ultrapassa o campo técnico e coloca frente a frente dois modelos de segurança pública — um estruturado na inteligência e na integração federativa, outro ancorado na força militar e no endurecimento penal.

Para a professora Ana Penido, do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ e pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes), a diferença entre os dois caminhos é mais profunda do que uma escolha tática. “Na guerra, o objetivo é eliminar o inimigo; na segurança pública, é preciso compreender o inimigo para desmontar suas redes. Sem inteligência e coordenação, o Estado apenas substitui nomes dentro do crime e não o desarticula”, afirma.

Inteligência e coordenação como estratégia de Estado

A PEC da Segurança consolida a criação de um sistema nacional integrado de informações e de operações conjuntas — uma espécie de “SUS da segurança” — articulando bases de dados de polícias federais, estaduais e municipais. A proposta se volta para o núcleo financeiro das organizações criminosas, buscando rastrear fluxos de dinheiro, armas e bens ilícitos.

Ao definir que as Forças Armadas só atuarão de forma complementar e em situações excepcionais, o governo procura evitar a militarização do cotidiano urbano. Penido vê na medida um passo coerente com a Constituição e com a preservação do controle civil. “Quando o Exército é chamado a policiar cidades, perdem-se referências institucionais e ampliam-se os riscos de abusos. É uma inversão de papéis que compromete tanto a democracia quanto a eficácia da operação”, analisa.

Oposição aposta em endurecimento e retórica de guerra

Do lado da oposição, ao menos três projetos em tramitação buscam, além de endurecer penas e restringir a progressão de regime para crimes hediondos, equiparar facções e milícias a organizações terroristas,  importando o conceito de “narcoterrorismo” usado pelos Estados Unidos. 

Para Penido, esse vocabulário não é neutro. Ele nasce como instrumento de dominação geopolítica e se baseia na criação de um “eterno inimigo” doméstico que justifica a militarização interna e o controle regional sob o pretexto do combate global às drogas.  “O termo narcoterrorismo nunca foi concebido para explicar a realidade latino-americana. Ele foi elaborado para manter viva a lógica de guerra mesmo em tempos de paz”, afirma a pesquisadora. “Ao rotular países como ‘abrigos de narcoterroristas’, os Estados Unidos garantem intervenções, ampliam seu mercado de armamentos e reforçam dependências políticas e militares.”

Esse enquadramento, segundo ela, desvia o foco do verdadeiro motor do crime organizado: a economia subterrânea e os fluxos financeiros internacionais. “Tratar o problema como guerra é negar sua natureza econômica. O enfrentamento exige rastrear dinheiro, não multiplicar operações letais”, afirma.

Segurança pública como política de Estado

Ana Penido defende que a segurança pública brasileira precisa ser tratada como política de Estado, não como extensão de uma lógica bélica. A integração de informações, a rastreabilidade de armas e a investigação financeira são, para ela, elementos que efetivamente desorganizam as estruturas criminais. “A inteligência é a alma da soberania. É a partir dela que os governos tomam decisões estratégicas sem se submeter a agendas externas.”

Além das questões táticas, o debate em torno da PEC expõe a postura de alguns governadores e a fragilidade da coordenação das forças estaduais. Episódios como o vazamento de informações confidenciais por parte do governo do Rio de Janeiro, em meio a operações conjuntas, são citados por Penido como exemplos de desordem institucional. “Quando dados sensíveis circulam fora dos canais federais, o Estado se torna vulnerável a interferências e compromete a própria segurança nacional”, disse.

“Segurança pública não é guerra”, conclui Ana Penido. “É política de Estado — exige inteligência, coordenação federativa e soberania informacional. Nenhuma nação constrói segurança verdadeira se adota a guerra como método de governo.”

Fonte: Portal Vermelho

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