Informativo
Reformas neoliberais favorecem lucros extraordinários das empresas
Em entrevista ao Brasil
Debate, o professor da Unicamp Antonio Carlos Macedo e Silva defende o recente relatório Unctad, que sugere o fim das políticas de
austeridade no mundo, com adoção de medidas expansionistas e aumentos
salariais.
A Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e Desenvolvimento – Unctad, em documento
lançado no último dia 14 de setembro, pede que o mundo altere
radicalmente o caminho adotado atualmente, que é da austeridade, e direcione as
finanças para a criação de empregos e investimento em infraestrutura, além de
expandir as exportações e as importações em todos os países. O relatório, com
estudos detalhados sobre a economia mundial, sugere ainda que o século 21 traga
um novo pacto, em que as pessoas tenham prioridade frente aos lucros e o
rentismo seja contido.
Professor de economia da Unicamp,
editor por dez anos da revista Economia e Sociedade, Antonio Carlos Macedo e
Silva comenta as conclusões deste estudo, que ganha repercussão em um momento
em que o Brasil dá uma guinada na política econômica radicalizando exatamente
os princípios condenados pelo relatório.
LEIA, A SEGUIR,
A ENTREVISTA:
Brasil Debate – O Relatório da
Unctad é contundente ao pedir o fim das políticas de austeridade fiscal para
reequilibrar a economia mundial e reduzir as desigualdades. Faz pouco tempo,
economistas do FMI afirmaram que o receituário neoliberal, prescrito pelo
próprio Fundo, pode ter efeitos nocivos de longo prazo. O discurso da
austeridade como solução “única”, técnica e inquestionável, para os problemas
de macroeconomia – e que inclusive norteia a política do atual governo
brasileiro – pode estar começando a ruir?
Antonio Carlos Macedo e Silva – Há
fissuras. Como consequência da grande crise financeira de 2007-08, vemos hoje
economistas do mainstream assumindo uma posição keynesiana um pouco mais
aguerrida. Vemos também algumas mudanças, sempre cautelosas (e não muito
autocríticas), no discurso de instituições multilaterais como o FMI e o Banco
Mundial. Esse movimento reduziu o prestígio de abordagens mais radicais (como o
da chamada “contração fiscal expansionista”) e criou certa abertura para o emprego
da política fiscal na estabilização da economia e para o recurso a políticas de
administração dos fluxos internacionais de capitais. Infelizmente, não me
parece claro que essas fissuras já representem uma ameaça substancial à
hegemonia da noção ortodoxa de austeridade.
A palavra austeridade costuma ter
uma conotação positiva, por lembrar responsabilidade com as contas públicas.
Como explicar de forma compreensível a todos que austeridade pode significar
aumento das desigualdades e inibição do crescimento?
Austeridade e responsabilidade com
as contas públicas são coisas muito diferentes. A noção corrente de austeridade
promove a ideia de que governo bom é governo (de preferência pequeno) que pouco
se mete na economia, e basicamente só cuida da gestão macroeconômica por meio
do Banco Central, um órgão que, tornado independente, tomaria decisões
meramente técnicas e à margem da política.
Esta noção exime a política fiscal
de responsabilidades que ela assumiu, com bastante sucesso, durante o mais
longo e acelerado período de crescimento da economia global, na segunda metade
do século passado.
Nas suas versões mais radicais –
que hoje, de fato, estão caindo em descrédito – a diminuição do gasto
governamental entusiasmaria o setor privado a tal ponto que este, ao aumentar
investimento e consumo, faria a economia crescer mais depressa.
Entender como isso poderia
funcionar requer um certo esforço de imaginação: quando o governo deixa de
comprar bens e serviços, os agentes privados que antes os vendiam deixam de
receber. Quando o déficit do governo com o setor privado diminui, o superávit
do setor privado com o governo diminui também. A maior parte dos economistas
acredita, desde Keynes, que o mais provável resultado da contração do gasto
público, que reduz a renda e o superávit financeiro do setor privado… é a
contração do gasto privado.
Então, cortar o gasto público –
especialmente quando o setor privado, numa recessão, já aperta seus cintos – é
uma péssima ideia. Essa péssima ideia se torna ainda pior quando aplicada
simultaneamente pela maior parte dos governos, como tem ocorrido nos últimos
anos. Em um contexto como esse, se um governo rema contra a corrente e tenta
estimular sua economia, pode enfrentar problemas sérios com a balança de
pagamentos. Daí a proposta da Unctad, de inverter globalmente a direção da
política fiscal: com políticas fiscais globalmente expansionistas, as
exportações e as importações aumentam em todos os países. Aliás, o mesmo
valeria para um aumento salarial realizado, tanto quanto possível, à escala
global. As duas políticas poderiam colocar a economia global numa rota de
crescimento mais acelerado.
Vale lembrar que, quando a
economia cresce mais depressa, a arrecadação tributária também aumenta e, a
partir de certo ponto, é o setor privado que se endivida para poder gastar
mais, em investimento e consumo, e isso promove a recuperação das finanças
públicas.
Em suma, devido à austeridade, que
faz parte do mesmo pacote ideológico que promove a desregulamentação
financeira, a “flexibilização” do mercado de trabalho, o retraimento das
políticas públicas de regulação da concorrência, a economia global cresce menos
e, quando cresce, cresce nas asas da especulação financeira. É possível fazer
muito mais, nos planos nacional, regional e global, para crescer mais e melhor,
reduzindo a desigualdade e contemplando os problemas ambientais.
Uma constatação do relatório é de
que há 2 tendências marcantes nas últimas décadas, a explosão do endividamento
e a ascensão das super-elites, o 1% da pirâmide, como definiu o principal autor
do estudo, Richard Kozul-Wright. É possível notar esses fenômenos no Brasil?
A ascensão das super-elites (e das
superstar firms), tal como descrita no relatório, é mais claramente visível nos
países desenvolvidos. É claro que, aqui no Brasil, temos um mecanismo muito
específico de enriquecimento dos proprietários de riqueza financeira,
beneficiados pela elevadíssima taxa de juros real que incide sobre a dívida
pública.
Mais um ponto do relatório que
chama a atenção é a crítica ao aumento descontrolado do rentismo, que estaria
relacionado à queda de investimentos no setor produtivo e em infraestrutura.
Quais são as medidas que o relatório propõe para enfrentar o rentismo e, em sua
opinião, elas são exequíveis?
O relatório amplia a noção de
comportamento rent-seeking, que é tradicionalmente empregada na literatura mais
próxima do mainstream. Segundo os economistas da Unctad, as reformas
neoliberais ampliaram enormemente a capacidade das grandes empresas de obter
lucros extraordinários. O texto mostra o enorme aumento da centralização do
capital, com as grandes empresas dominando parcelas crescentes dos mercados
globais. A timidez dos governos em regular a concorrência, a desregulamentação
financeira, a opção desequilibrada pela proteção da propriedade intelectual (em
detrimento da disseminação do conhecimento) contribuem, cada um a seu modo,
para esse processo de concentração de riqueza… e poder político. Instaurou-se
um círculo vicioso que, para um economista de Chicago (Luigi Zingales), lembra
os Medicis na Renascença: o dinheiro compra poder político e o poder político é
usado para alavancar ainda mais a acumulação de riqueza.
Essa situação deveria ser
enfrentada por meio de um novo pacto global, que reivindicasse e adaptasse ao
mundo contemporâneo as três dimensões básicas do New Deal de Roosevelt:
recuperação econômica, regulação e redistribuição do poder. Para isso, é
necessário reverter várias das características da institucionalidade global
(como os exageros na proteção da propriedade intelectual) e, ao mesmo tempo,
reforçar alguns aspectos da governança global, por exemplo para reduzir as
possibilidades de elisão fiscal por parte das empresas multinacionais.
O relatório também traz
considerações sobre os impactos na economia global das tendências da
robotização e da crescente participação das mulheres no mercado de trabalho.
Qual a sua avaliação sobre os resultados trazidos?
Os capítulos sobre robotização e
igualdade de gênero refletem o trabalho de pesquisa empírica da Unctad e trazem
resultados novos e interessantes.
O relatório questiona o
catastrofismo em relação à robotização. Será realmente o “fim do emprego”? A
Unctad pensa que não, chamando a atenção para a diferença entre a possibilidade
técnica de automatizar tarefas rotineiras e a viabilidade econômica da
substituição de trabalho por robôs, que em parte depende do nível salarial.
A conclusão do estudo é que a
robotização, por enquanto, ameaça mais fortemente o emprego industrial em
países desenvolvidos, particularmente em setores como equipamento de transporte
e equipamento elétrico e eletrônico.
As políticas governamentais têm,
potencialmente, um papel crucial no processo de adaptação à mudança
tecnológica. Políticas fiscais mais expansionistas determinariam crescimento
mais acelerado, mitigando o efeito sobre o emprego. Políticas industriais
digitais poderiam conduzir a uma distribuição mais equitativa dos ganhos de
produtividade, evitando que se concentrem nas empresas que introduzem os robôs
e que detêm a propriedade intelectual sobre eles.
O relatório afirma que,
particularmente no que diz respeito aos países mais pobres, a industrialização
continua a ser a via para o desenvolvimento, uma vez que os setores clássicos
para o início da industrialização estão relativamente protegidos da
robotização.
Vamos ao outro ponto. É sabido que
a taxa de participação feminina no emprego – isto é, a razão entre o número de
mulheres empregadas e a população feminina em idade de trabalhar – tem
aumentado na maior parte dos países. Infelizmente, este aumento pouco
contribuiu para a redução na desigualdade de gênero. Os “bons empregos” – no
setor formal (e particularmente na indústria), onde há salários mais altos,
estabilidade e maiores possibilidades de ascensão na carreira – ainda cabem
principalmente aos homens, numa proporção tal que só pode ser explicada pela
persistência de preconceitos de gênero.
Aqui, a conexão entre austeridade
e baixo crescimento volta a mostrar suas implicações. Em um número
significativo de países – entre os quais o Brasil – o aumento da taxa de
participação feminina ocorreu em simultâneo com a queda na taxa de participação
masculina. O acirramento potencial de conflitos de gênero seria muito menor com
um crescimento mais acelerado.
O relatório chama a atenção,
ainda, para o fato de que, nos países em que ocorre desindustrialização, a
destruição de bons empregos afeta muito mais as mulheres do que os homens.
O fim da austeridade
possibilitaria um aumento do investimento em infraestrutura física e social.
Este último reduziria o ônus imposto às mulheres pelo trabalho “assistencial”
(de suporte a crianças, idosos e doentes, e muitas vezes não remunerado).
De forma ousada, o relatório
sugere que o mundo recupere o espírito de acordos e iniciativas do pós-guerra,
como o Plano Marshall, para “combater as injustiças da hiperglobalização e
construir economias inclusivas e sustentáveis”. O conceito de sustentável,
porém, parece ser incompatível com o de crescimento, que o relatório defende
para geração de empregos e combate às desigualdades. É possível, em sua
opinião, conciliar uma postura desenvolvimentista com baixo impacto sobre o
meio ambiente?
A Unctad está comprometida com os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável acordados pela ONU em 2015. O acordo
aposta na possibilidade de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade.
O primeiro parece ser condição necessária – embora não suficiente, sem a adoção
de medidas apropriadas – para resultados como a erradicação da pobreza, a
redução das desigualdades, a industrialização e a oferta de emprego digno para
todos. Talvez seja também condição necessária (novamente não suficiente) para o
desenvolvimento de tecnologias “verdes”, que possibilitem um crescimento
compatível com as metas ambientais.
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